“So the struggle…is over no slight matter, but whether we are to be mad or sane.” 
Epictetus, Fragments

O filósofo pré-socrático Heráclito afirmou que “a guerra é o pai de todas as coisas”, e esta afirmação parece soar verdadeira especialmente quando refletimos sobre a progressão de uma vida humana. Visto que, muito do que é bom nasce após as batalhas da vida. As dificuldades podem produzir um carácter forte, grandes desafios podem levar a realizações de grande valor, e a superação da adversidade é crucial para uma vida plena. Muitas pessoas, contudo, evitam as batalhas da vida ou são demasiado fracas e frágeis para alcançar a vitória nelas e, por isso, neste ensaio vamos examinar como as ideias da filosofia antiga podem ajudar-nos a cultivar uma mentalidade mais preparada, capaz e disposta a suportar e até a prosperar na guerra que é a vida.

“Philosophy’s power to blunt all the blows of circumstance is beyond belief. Never a missile lodges in her; she has strong, impenetrable defences; some blows she breaks the force of, parrying them with the slack of her gown as if they were trivial, others she flings off and hurls back at the sender.”
Seneca, Letters from a Stoic

O primeiro passo para cultivar a resiliência e a força da mente, é aceitar que as adversidades são uma parte inevitável da vida. Doença, perda de entes queridos, traição, crises familiares, problemas financeiros, ridicularização social, opressão, e em algum momento, a nossa própria morte iminente, são o tipo de dificuldades que todos nós somos forçados a suportar. Reclamar ou lamentar a inevitabilidade da adversidade é uma prática fútil, e promove uma atitude fraca e ressentida. Para cultivar uma mente forte, temos de aceitar que a vida é um caminho áspero e cheio de adversidades. 

“So the spirit must be trained to a realization and an acceptance of its lot. It must come to see that there is nothing fate will shrink from, that she wields the same authority over emperor and empire alike and the same power over cities as over men. There’s no ground for resentment in all this. We’ve entered into a world in which these are the terms life is lived on – if you’re satisfied with that, submit to them, if you’re not, get out, whatever way you please.”
Seneca, Letters from a Stoic

Juntamente com a aceitação, os antigos filósofos recomendam que passemos tempo todos os dias a pensar nas possíveis adversidades que nos poderão ocorrer no futuro. Deveríamos aplicar devoção nesta prática tão característica no espírito do rei que prevê constantemente as potenciais manobras do seu inimigo, a fim de assegurar devidamente o seu próprio reino. Um reino cairá certamente se o seu rei for displicente e não se preparar para os respetivos ataques, e é mais provável que a nossa mente se quebre se as adversidades nos apanharem desprevenidos. Pois quando uma adversidade nos surpreende, a nossa mente é colocada em estado de choque e tende a catastrofizar a situação, resultando consequentemente em medo e ansiedade excessivas. Por outro lado, se pensarmos antecipadamente numa potencial adversidade, e ela se manifestar, teremos uma espécie de familiaridade com ela, aumentando assim a probabilidade de reagirmos à adversidade de uma forma adaptativa e promotora de vida. 

“É demasiado tarde para equipar a mente para a resistência dos perigos depois de os perigos terem chegado”.
Séneca, Sobre a Tranquilidade da Mente

Ou como Séneca explicou mais detalhadamente:

“O homem sábio habitua-se a futuros males… Por vezes ouvimos os inexperientes dizer: “Eu não sabia que isto me estava reservado”. O sábio sabe que tudo está reservado para ele. Aconteça o que acontecer, ele diz: “Eu sabia”.  
Séneca, Epístolas

Pensar em todas as adversidades eu nos aguardam não precisa de consumir os nossos dias; basta uma mera contemplação estratégica de 15-30 minutos por dia. Pois, tal atividade mental é tensa, e por isso, os antigos filósofos também aconselharam que reservássemos tempo suficiente todos os dias para relaxar e brincar. Todos os antigos filósofos classificavam o lazer no topo da sua lista de prioridades. Sócrates brincava frequentemente na rua com crianças, Epicuro socializava no seu jardim com amigos, Séneca cultivava vinhas nas suas quintas, enquanto o senador romano e praticante do estoicismo Catão se voltava para o vinho, com moderação, quando as tensões do estado o cansavam. Os antigos filósofos compreenderam que através do relaxamento e do jogo exibimos bondade à mente, e através desta bondade construímos o seu sustento e força. 

“Temos de permitir à nossa mente algum descanso: se descansarmos, ela erguer-se-á melhor e será mais acutilante para os eventuais desafios eu irão surgir…o esforço incessante irá abalar o vigor da mente, enquanto ela recuperará forças se lhe for permitida uma pequena libertação e relaxamento”.   
Séneca, Sobre a Tranquilidade da Mente

Aceitar a inevitabilidade da adversidade, contemplando estrategicamente possíveis adversidades com antecedência, e assegurando que concedemos à nossa mente descanso e relaxamento suficientes; com esta receita fortalecemos a nossa mente e aumentamos as hipóteses de, quando surgir uma crise, estaremos suficientemente preparados. Se os dias vêm e vão e nenhuma dificuldade grave for atingida, encontramos consolo na nossa boa sorte, aproveitamos as condições calmas, e continuamos com os nossos preparativos mentais. Mas quando a adversidade ataca – talvez uma relação termine, perdemos o nosso emprego, a economia cai, a morte rouba alguém próximo de nós, ou a liberdade diminui e a tirania aperta – imitamos o homem sábio e dizemos a nós próprios “eu sabia”, e depois vemos a adversidade diante de nós como um adversário que está aqui para nos sacudir do nosso sono acordado e testar a nossa força. 

“Uma vida sem problemas [é] “um mar morto”. Não ter nada para o agitar e o despertar para a acção, nenhum ataque pelo qual tentar a força do seu espírito, apenas deitar-se na inactividade inabalável – isto não é estar tranquilo; é estar encalhado numa calma sem vento”. 
Séneca, Epístolas

Os antigos filósofos não procuravam a adversidade, mas quando ela aparecia, entendiam-na como uma oportunidade, não como uma maldição. Pois sabiam que a grandeza de carácter é forjada no fogo, que o significado é esculpido nas vicissitudes da vida, e que as dificuldades suscitam recursos internos que de outra forma permanecem adormecidos. Diógenes o Cínico viveu de acordo com estas verdades intemporais. Cada vez que caía em sérias dificuldades, ele olhava para o céu e dizia: 

“Obrigado ao Destino, por me ter confrontado de forma tão máscula!”; e em tais ocasiões, ele afastava-se assobiando.  
Diogenes, o Cínico, como citado em Stobaeus

Face à dificuldade e ao perigo Diógenes foi corajoso; suportou, se necessário, lutou de joelhos, e por causa desta notável mentalidade alcançou a grandeza de espírito. Ou como Séneca escreveu:

“A boa fortuna chega aos homens comuns e mesmo aos de talento inferior; mas só um grande homem é capaz de triunfar sobre os desastres e terrores que afligem a vida mortal. É verdade que ser sempre feliz e passar pela vida sem qualquer angústia mental é não conhecer metade da natureza. És um grande homem: mas em que me baseio se a Fortuna te nega a oportunidade de demonstrar o teu valor?”.
Séneca, Sobre a Providência

Estas antigas práticas filosóficas podem parecer idealistas e podemos sempre questionar: “de que servem as meras ideias face às verdadeiras dificuldades, terrores e sofrimentos da vida?”

Por vezes, elas provam ser a diferença entre sanidade e loucura, a vida e morte, e há inúmeros exemplos de indivíduos que utilizaram estas ideias e práticas para suportar heroicamente adversidades que teriam esmagado a maioria dos outros homens. Aleksandr Solzhenitsyn é um desses exemplos… Ele passou quase uma década nos campos prisionais soviéticos por críticas que fez a Estaline. Solzhenitsyn sobreviveu ao adotar uma abordagem estoica da vida, e no seu livro “O Arquipélago Gulag” olhou para trás, para o seu tempo de prisão, reconhecendo que sem suportar tais dificuldades, nunca teria descoberto a sua capacidade ilimitada de força interior, nem a inspiração para escrever o livro que ajudou a derrubar o império soviético. Tal como Diógenes, Solzhenitsyn agradeceu ao destino por tê-lo confrontado de uma forma tão adversa.

“Foi apenas quando me deitei na palha apodrecida da prisão que senti dentro de mim as primeiras agitações do bem… E é por isso que volto aos anos da minha prisão e digo, por vezes para o espanto daqueles que me rodeiam: “Abençoado sejas, prisão, por teres feito parte da minha vida”.
Aleksandr Solzhenitsyn, O Arquipélago de Gulag

O oficial naval americano James Stockdale é outra figura que utilizou as ideias da filosofia antiga, em particular de Epictetus, para manter a sua força e sanidade em condições extremas. Durante uma missão em 1965, o avião de Stockdale foi abatido no Vietname do Norte. Ele conseguiu ejetar-se antes do acidente, e enquanto flutuava para a terra, preparou-se mentalmente para os anos de inferno que o esperavam no momento em que punha os pés em território inimigo.

“After ejection I had about thirty seconds to make my last statement in freedom before I landed in the main street of a little village right ahead. And so help me, I whispered to myself: “Five years down there, at least. I’m leaving the world of technology and entering the world of Epictetus.””
James Stockdale, Courage Under Fire

 

Stockdale foi prisioneiro de guerra durante quase 8 anos. Foi repetidamente torturado e sujeito a condições humilhantes. Passou 4 anos na solitária, viu companheiros prisioneiros morrer de desespero, e desfigurou-se propositadamente com uma lâmina de barbear para que os seus captores não o pudessem usar como material de propaganda. Durante esses anos no inferno, Stockdale creditou a sua notável resistência aos preceitos de Epicteto, que ele manteve constantemente perto do seu coração. 

“Let others practice lawsuits, others study problems, others syllogisms; here you practice how to die, how to be enchained, how to be racked, how to be exiled.” 
Epictetus, Fragments

Os exemplos de Solzhenitsyn e Stockdale são apenas dois de muitos que testemunham o facto de que quando se trata de aprender a permanecer firme em tempos conturbados, não há melhor escola a frequentar do que a escola de filosofia antiga. Em tal escola não memorizamos factos nem fazemos testes para satisfazer os padrões arbitrários dos professores; em vez disso, aprendemos a não ter medo das dificuldades, descobrimos antecipadamente a importância de nos prepararmos para as adversidades, e cultivamos uma mentalidade que nos ajuda a estar à altura da ocasião quando a crise chega. Mas talvez o mais importante, os antigos filósofos recordam-nos que todos os elementos essenciais de que necessitamos para suportar as adversidades, se encontram dentro de nós. A capacidade de nos adaptarmos a condições adversas e de nos mantermos resilientes face ao sofrimento e às adversidades faz parte da nossa herança humana; é um potencial gravado no tecido do nosso ser. Por isso, não temos necessidade de temer o que o futuro nos pode trazer. Tudo o que podemos fazer é preparar-nos, relaxar e brincar enquanto as condições são calmas, e ter em mente que provavelmente somos muito mais fortes do que sabemos. 

“Como o fogo testa o ouro, o infortúnio testa os homens corajosos”. (Séneca)
Séneca, Sobre a Providência

Ou, como Seneca observou ainda:

“…a grandeza não consiste em mostrar coragem em tempos prósperos, quando a vida navega num curso tranquilo: um mar pacífico e um vento obediente também não mostram a habilidade de um remador; algumas dificuldades devem ser enfrentadas para testar a sua determinação. Por isso, não se curve, mas, pelo contrário, plante os seus pés com firmeza e apoie qualquer carga que caia de cima, mostrando medo apenas ao ruído do seu início”.
Séneca, Consolação a Maria
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