“No princípio era o verbo e o verbo era Deus e o verbo estava com Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens(…)”.

Esta passagem de abertura do primeiro capítulo do Evangelho de S. João, à luz da cultura presente e do materialismo ateu não passaria de superstição religiosa do qual não se pode tirar qualquer noção prática para a realidade. Porém, muitos de nós também não compreendemos o alcance destas palavras. No primeiro capítulo do evangelho de S. João descobrimos que, como o “verbo”/”a palavra”, Jesus não é uma  criatura que estava com o “Pai” no início da criação mas era seu equivalente e co-criador com o “Pai” / Deus na criação.
O termo “o verbo/ a palavra” tem um grande significado no pensamento greco-romano  e no pensamento histórico hebraico; significando, entre outras coisas, aquilo que traz ordem ao caos, ordem à desordem e significado ao que não tem sentido. João revela que o “verbo” / a palavra, em grego “logos(“λόγος“), é uma entidade divina, neste caso uma Pessoa divina, Jesus, o Filho de Deus. Esta ideia de unidade de Jesus com o Pai / Deus é-nos trazida não só pelos autores dos quatro evangelhos, mas pelo próprio Jesus repetidamente. Jesus, de acordo com a tradição Cristã é a personificação divina do “Logos”. 

Quando, na tradição Cristã, se diz que somos criados à imagem e semelhança de Deus, não quer isto dizer que somos perfeitos como Deus omnipotente e omnisciente, mas que temos um carácter divino natural que nos é intrínseco, uma natureza transcendental e que por isso mesmo, não é nossa.

Se explorarmos o conceito de “logos” em todo o seu sentido, verificamos que esta introdução não só diz respeito, neste caso, ao princípio da criação do mundo, à criação divina, no sentido metafísico, como a todo o princípio estrutural subjacente à realidade. 

“O logos” – diz respeito à palavra de Deus, à palavra encarnada, à ordem gerada a partir do caos, à criação divina que criou e sustém o universo, do mesmo modo que diz respeito ao princípio de inteligibilidade e racionalidade, que subjaz ao universo e nos permite conhece-lo e compreendê-lo.

Filosoficamente, para os estoicos, a noção de “logos” não difere muito, e é no fundo um princípio divino criador do qual toda a realidade depende. Para Heraclito, o “logos” é um fluxo constante governado por uma ordem racional, que pode ser compreendida pela razão humana. O logos tem dois sentidos: o princípio cósmico e o da própria racionalidade sobre o real, a inteligência voltada para o conhecimento do real. Por sua vez, para Platão, o logos é a definição, uma sentença predicativa que expressa uma qualidade essencial sobre alguma coisa. 

Heráclito
Heráclito

Já na lógica, juntamente com o “pathos” e o “ethos”, é um dos três modelos de persuasão e que diz respeito a uma proposição ou argumento a partir do qual se apela à razão. No Neoplatonismo o logos é a realidade intermediada entre Deus e o mundo.

Modos de persuasão

Num contexto mais básico empresarial, em marketing, o logos diz respeito ao logótipo que através do seu símbolo deverá corresponder à identidade de uma empresa ou marca e que deverá estar alinhada com os seus valores e identidade; “logo” é um termo abreviado para palavra, voltando assim ao princípio etimológico da própria palavra como princípio estruturante de interpretação da realidade. Nas suas diferentes definições, nos diferentes contextos e épocas históricas e filosóficas, podemos encontrar um princípio comum à definição do logos: a realidade; aquilo que é.
Assim, uma palavra é muito mais do que uma mera palavra: é no mínimo uma base de categorização social e de compreensão básica da realidade e, simultaneamente e no máximo, o princípio estruturante, ordenador subjacente à realidade, é em suma a verdade articulada. Se negarmos esta estrutura da realidade caímos num caos, a partir do qual não se pode construir nada, pois não há consensos sobre nada. Se as palavras perdem o seu significado e se ficarem reféns da subjetividade individual de cada um, estas perdem o seu propósito e dissolvem-se em múltiplos e infinitos
significados; se estas se dissolvem a cultura por consequência acaba por se desintegrar também.
Por esta altura, o leitor deve estar a pensar: para quê esta longa enumeração sobre o que é “logos”? Para quem não esteja tao familiarizado com o conceito, pode não parecer, mas esta noção tem mais pertinência do que pode, à primeira vista parecer. 

Uma cultura, está necessariamente subjacente a um “logos”, isto é a um princípio estruturante que lhe serve de base. A cultura é entre muitas coisas, uma estrutura de categorias partilhadas. É partilhada porque somos capazes de concordar em princípios básicos, sejam eles de categorização social como: o que é um gato, um cão, o que é uma vida, um homem, uma mulher, uma criança e por aí fora ou sejam princípios éticos. Se deixa de haver uma base concordante social, uma norma de categorização unânime na sociedade, em que esta está subjacente a realidade, então a sociedade e a cultura dissolvem-se no caos, na subjetividade da interpretação de cada um e consequentemente num pernicioso relativismo. E é precisamente isso, que agora observamos no mundo ocidental, uma ditadura do relativismo, relativamente a diferentes princípios básicos, outrora consensuais, sejam de biologia, sobre o que é uma mulher, um homem, o que são direitos positivos e negativos etc..

Após a “morte de Deus” profetizada por Nietzsche, o homem deixou de ser definido por um princípio transcendental maior do que si mesmo ou se quisermos pela natureza. O princípio e o fim deixaram de estar em Deus, e o homem passou a ser o seu próprio princípio e fim. Ao ser capaz de definir-se a si próprio, de distorcer a própria realidade e molda-la, consoante aquilo que são as suas interpretações individuais subjetivas ou as suas conveniências, se necessário, impondo a sua interpretação do mundo ao mundo; mesmo que esta seja ausente de quaisquer princípios logico e básicos. Ideias erróneas de “desenvolvimento” e de “progresso”, quando confiados única e exclusivamente no ser humano de forma desenraizada da transcendência, da natureza ou se quisermos de princípios epistemológicos acaba por alimentar uma sociedade sem coesão social e onde a polarização aumenta.
Do antigo mundo do “logos”, no qual a verdade é verdade, ou seja, um princípio absoluto independente de opiniões, interpretações e teorias, passou-se ao mundo do “Pós verdade”, no qual passou a existir um infinito número de possíveis “verdades” – no qual passou a ser comum ouvir coisas como “a minha verdade”, “a tua verdade”. As opiniões passaram, portanto, a ser “verdades” numa possibilidade infinita de hipóteses subjetivas. Isto já acontece em vários casos, por exemplo sobre o que constitui uma ofensa, liberdade de expressão, o que é um homem, quanto géneros
existem, o que é a vida, o que é a paternidade, ou a criação de caprichos mascarados de “direitos”, para um cem número de possibilidades e interpretações.

Paradoxalmente esta ditadura do relativismo tem sido amplamente adotada como um dogma axiomático, uma verdade absoluta que deve ser amplamente adoptada. Claro que o relativismo, ao tornar tudo relativo e sujeito a um infinito de possibilidades e interpretações, não leva a lado nenhum e, portanto, não conduz ao desenvolvimento, mas à destruição da vida em sociedade como a conhecemos. Vemos isso p.e. na desintegração da família, das relações humanas, das instituições, qual o seu desígnio e limites.
O desenvolvimento humano para a acontecer verdadeiramente exige que esteja ancorado na verdade, como princípio condutor. Se caímos na ditadura do relativismo, também cairemos enquanto sociedade.

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