Poucas palavras com carácter pejorativo são atiradas hoje em dia a um adversário político como a palavra: “populismo”. Porém, o real significado da palavra diz respeito a uma prática política que visa obter apoio popular através de medidas aparentemente favoráveis às massas. Um partido populista é aquele que alega estar distanciado dos partidos mainstream do sistema político, procurando destacar-se pelo seu modo pouco convencional de fazer política alegadamente em nome do cidadão comum e dos seus interesses, visando assim distanciar-se das dinâmicas políticas vigentes.

No entanto, para chegar a uma definição clara da palavra e realmente perceber o que realmente é o populismo, bem como qual a sua origem, convém primeiro entender as suas raízes históricas.
No extremo ocidental do ocidente: nos EUA, os primeiros movimentos assumidamente populistas tiveram origem nos finais do séc. XIX. Com a crescente industrialização do País e consequente crescimento económico, fruto da explosão de produção de bens, esta época ficaria conhecida como a “Gilded Age” – “Era Dourada”, termo aproveitado do romance de Mark Twain e Charles Dudley : “The Gilded Age: A tale of today”, no qual os autores procuraram satirizar sobre a ganância e corrupção política do período pós guerra civil americana. Esta época de prosperidade e crescimento económico criou vários milionários e tornou o patriarca da família Rockefeller – John D. Rockefeller – o primeiro bilionário do País. Porém, como é hábito, todos os períodos de crescimento e prosperidade deixam inevitavelmente gente para trás e este não foi excepção. Muitos agricultores da época viram-se vitimizados pela inflação, pela venda das suas colheitas a preços muito baixos e por taxas de juro para compra de equipamentos e terrenos com subidas insustentáveis, chegando ao absurdo de rondar os 300%. Esta frustração e descontentamento legítimos dos agricultores face aos plutocratas de então, fez com que estes canalizassem a sua revolta aos banqueiros e às empresas monopolistas que arruinavam a concorrência de mercado livre. Assim, na década de 70 do séc. XIX formar-se-iam alguns grupos políticos de reivindicação política como: a Farmers Alliance e os Grangers que, entre outras coisas, procuravam alertar para a necessidade de impostos mais pesados para indivíduos ricos e empresas monopolistas bem como taxas de juro mais baixas. Estes grupos, juntamente com outros movimentos e partidos de índole sindicalista, começaram a juntar-se politicamente contra os partidos mainstream: republicano e democrata.

The Farmers Alliance
Grangers

No final dos anos 80 do sec XIX um conjunto de vários grupos deste género começaram a fundir-se no que viria a tornar-se: “The Farmers and Laborers Union of America”. Esta junção das organizações sindicais rurais e urbanas viria a constituir a primeira ameaça para o sistema bipartidário americano. O partido populista “The Peoples Party”, comumente denominado na altura como “The Populist Party”, seria criado em 1891 e viria a eleger o seu primeiro senador – William Peffer

The Peoples Party / The Populist Party

No ano seguinte, em 1892, ocorreu no Nebraska a primeira convenção do partido populista, onde James Weaver viria a ser nomeado  como candidato presidencial. O então candidato viria a receber 22 votos do colégio eleitoral, um número de votos bastante considerável atendendo que se tratava de um partido tão recente.

William Peffer - senador pelo partido populista dos EUA
James Weaver - candidato presidencial pelo partido populista dos EUA

Porém, aquilo que parecia um crescimento promissor de uma alternativa política, viria mais tarde diluir-se em fações dentro do próprio partido e a integrar-se nos dois partidos principais do sistema político americano.

A designação populista pode ter muitas diferentes interpretações existentes daquilo que é o significado real do termo, bem como a verdadeira origem histórica de alguns movimentos populistas, independentemente do quadrante político.
De forma genérica, o termo populista é usado para descrever o sentimento anti elite em qualquer contexto político e social.
Porém, atualmente o termo populista tem sido alvo de um de ausência de objetividade etimológica e conceptual.

Deste modo, a definição “populista” tem sido atirada e usada de forma panfletária com o objetivo político de relembrar e associar os visados a imagens de um passado recente negro da história europeia do sec. XX nos anos 30 e 40. Porém, isto não passa de uma redutora conotação negativa com aquilo que é uma das várias definições do termo populista dentro do espectro político. Deste modo, é possível identificar vários partidos dentro do espectro político que poderão ser vistos como partidos “populistas”: alguns do extremo político da direita poderão ser conotados como estando de facto ligados aos período negro dos anos 30 e 40 do sec. XX da história europeia; p.e. : O partido austríaco pela liberdade foi fundado por um antigo oficial das SS, enquanto determinados membros do partido AFD (Alternative fur Deutschland) na Alemanha, disseram que o País não deveria sentir necessidade de pedir desculpas pelo passado da história recente do seu país. Por sua vez, do outro lado do espectro da política europeia temos partidos como o Syriza na Grécia ou o Podemos em Espanha; sendo que no caso deste último são já conhecidas as frases de índole extremista do seu líder Pablo Iglesias, ao ter afirmado, entre outras coisas, que a organização terrorista ETA revelou perspicácia política ou até a identificação com as ligações de seu pai à organização terrorista FRAP (Frente Revolucionaria Antifascista y Patriotica) de índole maoista, marxista e leninista também responsável pelo derrame de sangue inocente.

Embora a frase corrente: de que os extremos se tocam pareça pouco mais que um clichê, não deixa de se verificar um ponto em comum tanto nos partidos políticos populistas de extremos opostos, assim como nas diferentes figuras políticas, desde as mais históricas às mais atuais, da mais radical à mais moderada, passando por Chesterton, Franklin Roosevelt , Bernie Sanders e acabando em Trump, apenas para dar alguns exemplos… – Todos eles rejeitam a ideia de liberalismo económico que tem vindo a ser valorizada em grande parte do mundo ocidental. Apesar de ambas as alternativas sugeridas por estes extremos opostos diferirem bastante, estes rejeitam veementemente a ideia de que a sociedade se deve adaptar às forças do mercado global.

Não obstante, atualmente dentro de parte do lado esquerdo do espectro político, se verificar um certo silêncio complacente com uma determinada elite plutocrática, que a reboque da agenda de subversão ideológica e em detrimento de políticas corporativas identitárias em voga, vai abdicando de ser oposição ao globalismo corporativista desenfreado, regra geral costuma haver uma oposição retórica à economia de mercado na noção capitalista do termo.

Por sua vez, o populismo de direita rejeita veementemente a visão do mundo, que tem sido promovida em resorts de luxos em Davos e “imposta” através de uma promiscuidade entre uma elite do mundo dos negócios e de líderes políticos. Adicionalmente, à medida que os partidos políticos populistas de direita crescem em popularidade e vão adaptando a sua estratégia política fora dos canais convencionais de comunicação, as figuras globalistas dos senhores de Davos personificadas em “Klaus Schwab”, ainda que mantenham o seu peso no xadrez político, vai perdendo alguma força e influência junto de um grande número de eleitores com potencial de crescimento exponencial.

 

Não é de mais recordar que grande parte do establishment político subestimou desde o início Donald Trump ao achar que este jamais seria capaz de ganhar as eleições em 2016; afinal: um ignorante, bruto e arrogante jamais poderia ganhar a presidência, contra uma candidata que personificava a experiência e status quo da classe política das ultimas três décadas. Porém, a arrogância, influência, prepotência e vaidosismo político cegou a classe política e os media, para o facto de que os motivos pelos quais estes achavam que a vitória de Hillary seriam favas contadas, seriam exatamente os motivos que a fariam perder. 

Trump venceria precisamente porque Hillary Clinton representava o consenso do 
status quo, de décadas de políticas falhadas para o cidadão comum. A antiga secretária de estado, era uma figura que não só não procurou dar esperança ao descontentamento daqueles para quem Trump procurava falar, classificando-os como “deplorables”, como com a revelação da Wikileaks acerca da sua fundação, passou a representar para os eleitores a corrupção política e o deslumbramento pelo poder. H. Clinton era, portanto, uma figura que repugnava muitos dos eleitores, pelo menos, mais do que aparentemente trump, com a sua boçalidade retórica, as repugnava. O “deplorable” não só conseguiu explorar esta percepção acerca de Hillary, como foi visto como alguém capaz de virar do avesso aquilo que era a política globalista, desgastada e distanciada do cidadão comum da classe trabalhadora, que fora vítima do globalismo que as mesmas elites louvavam. Tal como na séc. XIX houvera uma classe trabalhadora que fora vitimizada pela inflação, a concorrência desleal e o desemprego que gerou uma revolta populista, também após o segundo mandato de Obama houve uma classe trabalhadora dos meios rurais que fora vitimizada pela crise económica, a desindustrialização além fronteiras consequente do globalismo. Foi aliás, o direcionamento de muita da sua narrativa de campanha para essa insatisfação de classe, que fez com que os eleitores dos swing states do “Rust Belt” (tipicamente da classe trabalhadora de manufatura industrial e tradicionalmente democrata), em 2016 votassem em massa no candidato republicano. Em suma, a retórica populista de trump teve o efeito pretendido nas massas.


Relativamente ao velho continente, embora desde então muito do rotulado 
establishment dos partidos mainstream, receie aquilo que poderá ser um efeito dominó na política mundial, numa procura desesperada de não só recuperar o centro político como a voltar a ser o centro da política, os mesmos erros continuam a ser cometidos; quando o modo de executar política e do eleitor a percecionar, sofreu uma mudança de paradigma radical desde o referendo do Brexit e a eleição de Trump. Afinal, se exemplos faltassem, em França foi idêntica a reação Pavloviana a Marine le Pen, ao colocar como adversário da líder da Front Nationale figuras políticas do passado gastas e também elas pouco recomendáveis. Fillon apareceria como o moderado salvador da “Républica das luzes”, este tal como Sarkozy, viria a ser condenado por corrupção. Fillon foi assim mais uma figura convencional de centro direita, apresentado como um moderado que fez como sua bandeira política a restauração do liberalismo económico, chegando a declarar mais que uma vez que despediria metade dos trabalhadores da administração pública e cortaria metade dos gastos públicos. Apesar do balanço orçamental dever ser uma prioridade de qualquer governante, parece de mais evidente que num sector público grande como o francês, Fillon colocou logo de lado grande parte dos eleitores, pelo que mesmo que estes se abstivessem, a coligação de frente republicana saíra enfraquecida.

Por sua vez, não foi mero acaso, que a defesa acérrima que Le Pen fez de políticas económicas protecionistas encapsuladas no slogan de “patriotism économique”, resultou numa esmagadora transição de voto do nicho da classe trabalhadora para a líder da FN.

Com a derrota de Fillon e a imagem política enfraquecida, as atenções voltaram-se para o recurso de “salvação nacional” de última hora no referendo nacional a Le Pen: Emmanuel Mácron.

Porém, Mácron, cujo percurso e passado político como antigo ministro da economia, profissional como antigo banqueiro e, académico como estudante da École National Administracion o coloca, aos olhos de certos eleitores, como um insider do establishment das elites políticas do seu país. Este recalcamento da personificação de Mácron como o status quo do “sistema”, aliado ao crescente descontentamento popular que se tem vivido na França nos últimos anos e que se tem verificado nas várias manifestações e motins decorridos, agora agudizado pelas restrições vividas na pandemia, poderão constituir uma conjuntura de contra ataque perfeito para a líder populista, já nas próximas eleições.

Fazendo o paralelismo com o
case study de convulsão política americana de 2016, apesar de uma experiência política mais reduzida, a figura de Mácron, aos olhos do eleitor comum, poderá ser percecionada de forma semelhante à figura de H. Clinton. Le pen por sua vez, ao dirigir e insistir a sua narrativa política para as falhas e insatisfação perante o globalismo, o crescente euroceticismo ancorado no distanciamento político dos tecnocratas de Bruxelas, a consequente perda de soberania do Estado Nação e políticas de imigração impostas pela UE, poderá eventualmente nas próximas eleições conseguir provocar um deja vu de 2016 com contornos europeus. No entanto, desde os atentados a Samuel Patty que se verificou uma mudança muito mais assertiva na retórica de Mácron relativamente ao separatismo islâmico que tem vitimado a frança e, apesar das recentes sondagens serem muito favoráveis a M. le Pen, as recentes sondagens também confirmam uma subida de popularidade do Presidente Francês. 

Parece no entanto, que a única forma de estancar o crescimento de Le Pen, seria se um hipotético candidato credível do centro direita ou centro esquerda estivesse disposto a quebrar os consensos impostos relativamente ao projeto europeu e ao globalismo, a endereçar o descontentamento crescente, que tem sido ignorado e exigir reformas estruturais nas instituições europeias. Perante a impossibilidade de tal figura surgir, os partidos mainstream criaram a oportunidade para Le Pen e outras figuras populistas de direita se apresentarem como uma alternativa para o eleitor comum. Assim, figuras como Marine Le Pen, Salvini, Wilders etc. são apenas mais umas figuras da política europeia, que se alimentam de um descontentamento generalizado dos eleitores europeus, ao qual alegam dar eco.

 

Assim, tal como a eterna questão do “ovo e da galinha”, permanece dubitável o seguinte: – “Foram os populistas que se aproveitaram maquiavelicamente de um nicho eleitoral descontente de abrangência exponencial? ou “foram antes os partidos mainstream e as elites políticas e financeiras, que ao ignorar uma crescente insatisfação na política mundial com o globalismo desenfreado e as políticas falhadas das últimas décadas, criaram um vácuo para os líderes populistas preencherem?”. Por outras palavras: os partidos e movimentos populistas não serão antes uma consequência da crise da democracia do que uma causa?


Fonte: Bloomberg Businessweek

Se refletirmos sobre esta questão, torna-se mais claro que o perigo principal presente não é verificar-se a improbabilidade de os líderes populistas de direita chegarem ao poder, mas antes a incapacidade de os partidos mainstream e das instituições verificarem, que as mesmas forças que mantem o status quo e vendem a ideia de combate entre o perfeito “híbrido” globalismo e multiculturalismo, contra o obscurantismo do “nacionalismo” e do localismo, são quem está, em grande parte, a gerar descontentamento eleitoral. Ao demonizarem o descontentamento de grande parte dos eleitores dos populismos (como aconteceu com o Brexit, em que os eleitores favoráveis à saída da UE foram várias vezes apelidados pelos media de racistas e xenófobos iletrados), os media juntamente com os partidos mainstream, criaram involuntariamente espaço para os populismos, que agora dizem combater.

Não deixa de ser curioso como a história assume um certo padrão cíclico: – tal como no séc. XIX nos EUA, que a formação do primeiro partido assumidamente populista e, aquilo que parecia uma revolta popular orgânica e sustentada contra o sistema corporativo e político, acabou por se dividir e diluir no establishment do sistema político americano. Do mesmo modo, que vimos que na eleição de Trump em 2016, o descontentamento também foi o motor de uma revolta popular, contra o sistema personificado na alta finança de Wall street, das multinacionais, do internacionalismo liberal, do establishment político, do nacional contra o global. Porém, apesar do choque que foi e do “trumpismo” ainda continuar vivo, a distância política deste foi de apenas um mandato e tudo indica, que eventualmente também este movimento acabará por se diluir na máquina do establishment político. Assim, independentemente das inclinações políticas de cada um, a questão que se prende, não é se o populismo de direita ou de esquerda nos EUA ou na Europa é ou não uma alternativa política democrática viável, uma  vez que basta ser elegível para ser considerada por parte do eleitorado como viável; mas se esta revolta contra o sistema será sustentável, quando a história nos mostra que eventualmente estas acabam por se diluir no sistema político e incorporar o próprio “sistema” que querem combater.

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