“Danger makes men classical, and all greatness, after all, is rooted in risk”

Albert Camus

 

 

Atendendo  o nível de ansiedade e medo que certa franja da população demonstra perante as mais diferentes dificuldades inerentes da vida, pode-se dizer com alguma segurança que o mundo pós-moderno naturalmente não se insere na grandiosidade que Camus menciona.

Como Frank Furedi explica em “How Fear works : Culture of fear in the 21st century”:

 

“Os jovens são socializados de forma a sentirem-se frágeis e intimidados pela incerteza e o resultado é que a atual característica definidora da versão de personalidade no sec. XXI é a sua vulnerabilidade. Embora a sociedade, de algum modo, ainda defenda o ideal de autodeterminação e autonomia, os valores a ele associados estão cada vez mais a ser substituídos por uma mensagem que enfatiza a qualidade da fraqueza humana. E se a vulnerabilidade for de facto a característica humana definidora da condição humana, ter medo é o estado normal.”

 

Um dos danos colaterais e ignorados resultados da pandemia da C-19 é que a ideia de que as crianças provavelmente terão problemas de saúde mental passou a ser considerada normal no mundo Ocidental. Nas mais diversas discussões públicas nos mais diferentes fóruns, os jovens são colocados como criaturas frágeis e indefesos por natureza. Ao escrever sobre “o golpe psicológico da pandemia”, o jornal The Sunday Times indicou que não é preciso muito para fazer um jovem de 17 anos chorar. O artigo em questão defende aquilo que muita gente também alega, que a propaganda castastrofista sobre a Covid disseminou uma “epidemia de medo” entre os adolescentes e jovens e pintou um quadro existencial infernal deteriorando a sua saúde mental. Esta intimidação perante a incerteza e o risco, o receio perante o futuro e a hétero e auto conceptualização como um ser frágil e inseguro, não só não é o caminho para o desenvolvimento individual e social, como é naturalmente promotor de doenças do foro mental: -depressão, ansiedade constante etc. e consequentemente de mais dependência.

Se este problema não for referente a uma ínfima minoria, mas se alastrar como uma psicose de massas, então abre-se a porta para um governo autoritário, pois, um indivíduo que não sabe tomar conta de si é facilmente convencido de que deve relegar essa responsabilidade pessoal a um elemento externo, neste caso o estado

Frank Furedi é um acadêmico húngaro-canadense e professor emérito de sociologia na Universidade de Kent. Ele é conhecido por seu trabalho em sociologia do medo, educação, cultura terapêutica, parentalidade e sociologia do conhecimento

Por oposição, a sociedade beneficiaria se um maior número de pessoas estivessem dispostas a viver com um pouco mais de risco. Qualquer grande invenção na história da humanidade exigiu um certo nível de risco e naturalmente, para que se possa arriscar é necessário que haja um certo nível liberdade para o fazer, que se saia da segurança da redoma. Com mais liberdade há mais circulação de ideias e flexibilidade para pensar. Por sua vez, com menos liberdade e mais segurança há consequentemente menos risco. Nunca sendo possível ter o melhor de dois mundos, este é um dos motivos pelo qual apesar da China ser um país extremamente seguro em nível de criminalidade, é um país onde a liberdade não passa de uma ilusão, motivo pelo qual o país é líder em roubo de propriedade intelectual e o sistema de crédito social chinês está implementado sem qualquer hipótese de contestação. 

 Como o senador do império Romano, Tácito mencionou: 

“The desire for safety stands against every great and noble enterprise”

 

 Uma sociedade que põe num pedestal uma falsa ou hipotética sensação de segurança em detrimento da liberdade, é uma sociedade que tem a porta aberta à tirania. A ideia de trocar o peso da liberdade e da responsabilidade individual pela sensação de alívio em que subsiste a segurança, é um padrão muito comum na história do aparecimento dos autoritarismos.
Na confusão conceptual da dicotomia: segurança vs. liberdade, propagandeada ad nauseum, a pretexto do contexto pandémico, atitudes e opções individuais como não usar máscara ou não se vacinar contra uma doença cuja letalidade global ronda os 2%, é visto como um ato de “egoísmo” e irresponsabilidade social, por “alegadamente” colocar terceiros em risco. Porém, nesta confusão e irreflexão conceptual nunca é ponderado que o verdadeiro egoísmo reside em condicionar a liberdade individual das pessoas para que terceiro possa usufruir de uma falsa sensação de segurança; tal exigência não só se trata do verdadeiro egoísmo como de um ato imbuído de laivos autoritários: “fazes aquilo que me faz sentir bem”, ao invés de uma negociação entre indivíduos adultos; “fazes o que o estado te manda fazer” e não aquilo que te parece adequado. Num espaço de um ano e meio, ocorreu uma total inversão de valores, na qual a liberdade individual deixou de ser a bússola que orientava as democracias liberais, passando o absolutismo da segurança a ser o seu farol.

Stuart Mill, em Princípios da política económica, explica:

“Um homem que não tem nenhuma causa pela qual esteja disposto a lutar, nada pelo qual tenha mais consideração do que pela sua segurança pessoal é uma criatura miserável que não tem qualquer hipótese de ser livre, a não que seja feito e mantido pelas extensões de homens melhores que ele mesmo”


No mundo pós moderno atual, a noção de liberdade está tão deteriorada que além de se abdicar da mesma para se obedecer a regras arbitrarias e desprovidas de qualquer critério de bom senso ou rigor científico, é esperada que a mesma liberdade da qual se abdicou inicialmente de forma voluntária, seja devolvida por um qualquer decreto estatal ou diretiva da DGS.

– “Tenho certificado de vacinação porque queria poder ir jantar com amigos e viajar”;
– “Vacinei-me porque queria voltar a ser livre”. Quem pratica esta “linha de pensamento” esquece-se que se é coagido a fazer algo, para poder exercer direitos fundamentais, como liberdade de circulação e de acesso a serviços, não pode ser considerado verdadeiramente livre; e é este o paradoxo da noção de liberdade em vigor.
Em alternativa, se colocarmos a sensação de segurança no seu devido lugar, como um valor secundário, deixaremos de ser meros peões que andam ao sabor do vento dos devaneios estatais e dos tiques autoritários de burocratas privilegiados, de ser carne para canhão, de ser filhos, que para dar um passo que seja, em tudo, dependem da autorização do estado paternalista, como eternas crianças a quem não é permitido serem livres e independentes. Não obstante a vida em sociedade ser uma constante tensão entre o indivíduo e o colectivo, em que ambos não podem ter os seus direitos infringidos um pelo outro, ou seja: a tirania das maiorias e a tirania das minorias; um coletivo/sociedade é sempre composto pela totalidade dos seus indivíduos, motivo pelo qual os direitos fundamentais (ou naturais), que devem sempre ser garantidos e preservados pelo estado, são referentes ao indivíduo. Ora, o poder de garantir “liberdade” por parte do estado, implica logicamente a sua limitação no indivíduo e é esta a fatalidade de um regime vai concentrando poder até extinguir as liberdades individuais por completo. Motivo pelo qual os founding fathers tiveram a sabedoria e o discernimento de perceber quão pernicioso poderia ser semelhante precedente e por isso, com base na ideia de direitos naturais e de restrição dos poderes do governo criaram a “Bill of Rights” dos EUA, cada uma delas inequívoca quanto à impossibilidade de interferência do governo de infringir nos direitos fundamentais dos seus cidadãos:

“O Congresso está impedido de:

  • Estabelecer uma religião oficial ou dar preferência a uma dada religião (separação de Igreja e Estado);
  • Proibir o livre exercício da religião;
  • Limitar a liberdade de expressão;
  • Limitar a liberdade de imprensa;
  • Limitar o direito de livre associação pacífica;
  • Limitar o direito de fazer petições ao governo com o intuito de reparar agravos.”

Precisamente, torna-se preponderante relembrar um dos founding fathers, Benjamin Franklyn, que já foi aqui citado, noutro artigo : 

“Those who would give up essential Liberty, to purchase a little temporary Safety, deserve neither Liberty nor Safety and will lose both”.

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