Referindo-se a Diógenes, o Cínico, o antigo filósofo que julgava ser a versão mais aproximada de um sábio, Epicteto afirmou o seguinte:

“É ao [seu poder de escolha] que ele dedica toda a sua atenção e energia; mas quando algo mais entra em jogo, ele deita-se e ressona, e está totalmente em paz. Ninguém consegue roubar-lhe o seu poder de escolha, ou exercer mestria sobre ele”. 
Epicteto, Discursos

Como explorámos no ensaio anterior, revela-se fundacional para a tranquilidade inabalável do sábio a mestria que ele afirma sobre o seu poder de escolha. O sábio opta por não relacionar a sua tranquilidade ao exterior, que são coisas que não estão totalmente sob o seu controlo, tais como riqueza, outras pessoas, saúde corporal, e liberdade política, e aí se demarca como psicologicamente superior àqueles cuja tranquilidade depende de fatores externos. Neste ensaio, tirando partido das perceções de um dos homens mais ricos do mundo antigo, bem como de um dos mais pobres, examinaremos como manter uma tranquilidade semelhante à de um sábio quando nos relacionamos com dinheiro. 

“…o sábio considera a riqueza como um escravo, o tolo como um mestre; o sábio não dá importância à riqueza, mas aos seus olhos a riqueza é tudo…”.
Séneca, Sobre a Vida Feliz

O filósofo estoico Séneca ocupou alguns dos mais altos cargos políticos da Roma Antiga, durante um tempo foi o Conselheiro Imperial do Imperador Nero e através da sua influência política tornou-se um dos homens mais ricos da sua geração. Séneca desfrutava da sua riqueza abundante e acreditava que um sábio faria o mesmo: 

“Como um vento favorável, alegra o marinheiro, como um dia brilhante e um local soalheiro durante o frio de Inverno dão ânimo, também as riquezas têm a sua influência sobre o homem sábio e trazem-lhe alegria”. 
Séneca, Sobre a Vida Feliz

O sábio desfruta da riqueza como aproveita o calor do sol. Quando presente é uma fonte de alegria, mas se o seu dinheiro se esgotar e a pobreza o atentar, a tranquilidade do sábio permanece. Ele não lamenta a sua ausência, não procura freneticamente mais, em vez disso, ele concorda calmamente com a mudança das condições externas. A relação do sábio com o dinheiro é como aqueles que desfrutam das quatro estações – quando o Verão chega ao fim, essa pessoa não chora pela ausência de calor, mas espera dias mais curtos e frios, e é assim que o sábio vê a transição da riqueza para a pobreza. É desapegado, é tranquilo porque sabe que é a sua mente, não a sua riqueza, que é a chave para a boa vida. Ou, como Séneca explica:

“…ninguém é digno de um deus, a menos que não tenha prestado atenção às riquezas. Eu não sou contra a sua posse, mas quero garantir que você as possui sem tremores; e isto se só consegue de uma forma, convencendo-se de que se pode viver uma vida feliz mesmo sem elas, e considerando-as sempre como prestes a desaparecer”. 
Séneca, Cartas de um estoico

Para avançar na direção do sábio, precisamos de aprender que podemos viver uma vida feliz sem riqueza. Uma forma eficaz de o fazermos é envolvermo-nos no seguinte exercício de treino filosófico, que consiste em duas partes inter-relacionadas. Em primeiro lugar, cada dia fazemos aquilo a que se chama uma premeditação da pobreza: lembramo-nos que qualquer riqueza que tenhamos é apenas nossa por enquanto, pois a nossa situação financeira pode mudar a qualquer momento. Podemos perder o nosso emprego, a economia pode entrar em colapso, a inflação pode destruir o valor do nosso dinheiro, ou más escolhas e a má sorte pode empobrecer-nos. Premeditamos a pobreza não para estimular a ansiedade, mas para nos prepararmos psicologicamente para ela e assegurarmos que, se chegarem condições de maior pobreza, mantemos a nossa tranquilidade.  

“…acostumamo-nos [à riqueza] e agarramo-nos a ela, como se alguém tivesse prometido que a possuiríamos para sempre, mas o sábio nunca pensa mais na pobreza do que quando se encontra rodeado de riqueza”.
Séneca, Sobre a Vida Feliz

Juntamente com a meditação sobre a volubilidade da riqueza, podemos complementar a nossa premeditação diária da pobreza com aquilo a que os estoicos chamavam a prática da pobreza. Isto implica passar um dia por semana, ou alguns dias sucessivos por mês a fingir que somos mais pobres do que somos. 

“Deveríamos estar a praticar com um alvo fictício, ficando em casa com a pobreza para que a fortuna não nos apanhe desprevenidos”
Séneca, Cartas de um estoico

Podemos adaptar esta prática de pobreza de várias maneiras. Durante o período de tempo pré-especificado, podemos estabelecer um orçamento alimentar diário frugal, renunciar ao conforto da nossa cama e dormir no chão, tomar duches frios, usar roupa velha e barata, andar a pé ou utilizar transportes públicos em vez de conduzir, e desligar as nossas fontes eletrónicas de entretenimento e passar o nosso tempo livre com atividades que requerem pouco ou nenhum dinheiro, tais como ler livros da biblioteca, caminhar, ou apanhar sol. Como Séneca resumiu:

“Ponha de lado um certo número de dias, durante os quais se contentará com a tarifa mais escassa e barata, com um vestido grosseiro e áspero, dizendo a si próprio: “Será esta a condição que eu temia?” É precisamente em tempos de imunidade que a alma se deve endurecer antecipadamente para ocasiões de maior stress, e é enquanto a Fortuna se revela amável que a alma se deve fortalecer contra a sua violência…Este era o objetivo dos homens que uma vez por mês se faziam passar por pobres, enfrentando a necessidade, para evitar que ficassem aterrorizados por uma situação que tinham frequentemente ensaiado”.
Séneca, Cartas de um estoico

Outra forma de nos desligarmos da riqueza é fazer de detetive psicológico e procurar as razões pelas quais tantas pessoas desejam desesperadamente riqueza, e porque é que muitos que a têm não estão satisfeitos e tranquilos, apenas querendo mais. Ao frequentar os círculos sociais dos ricos e famosos de Roma, Séneca descobriu que muitas das chamadas “elites sociais” de Roma não retiravam prazer da sua riqueza, antes a desejavam insaciavelmente porque a usavam como armadilha – como símbolo exterior do poder social para camuflar as suas inferioridades e fraquezas interiores. Como Séneca observou:

“Nenhum daqueles que foram elevados a uma altura elevada por riquezas e honras é realmente grande. Então porque é que ele parece grande? Porque está a medir o pedestal juntamente com o homem. Um anão não é alto, embora esteja numa montanha… Este é o erro sob o qual trabalhamos, e como somos enganados; não valorizamos nenhum homem pelo que ele é, mas acrescentamos os ornamentos em que ele está adornado”.
Séneca, Epístolas

Em contraste com Séneca, Diógenes o Cínico era um dos homens mais pobres do mundo antigo em termos de dinheiro e posses, mas sem dúvida um dos mais ricos em mente. Diógenes estava bem ciente de como a riqueza é utilizada como decoração exterior para esconder fraquezas interiores, mas ao contrário de Séneca, Diógenes não era tão tolerante com tal fachada. Quando Diógenes foi recebido na casa de um homem rico de carácter miserável, Diógenes limpou a garganta, olhou à sua volta, e depois cuspiu na cara do homem. O homem ficou furioso e exigiu que Diógenes se explicasse:

“Diógenes respondeu que não via nada na casa que tivesse sido tão negligenciado como o seu proprietário. Pois cada parede estava adornada com pinturas maravilhosas, e havia imagens dos deuses no chão retratadas em magníficos mosaicos, e todos os móveis eram brilhantes e limpos, e os revestimentos e sofás estavam lindamente adornados, deixando o seu proprietário como a única coisa ali que podia ser vista como tendo sido negligenciada; e é costume universal na sociedade humana cuspir no pior lugar disponível”. 
Diógenes, Ditos e Anecdotes

Reconhecer que a procura de riqueza é frequentemente motivada por um vazio interior pode ajudar-nos a reavaliar a nossa relação com a riqueza, de modo a assegurar que, na procura de dinheiro, não estamos a negligenciar uma tarefa de muito maior importância: cultivar uma mente forte e sã. Pois, Diógenes afirmou que toda a riqueza do mundo é inútil se estivermos na posse de uma mente fraca que se verga repetidamente às pressões da vida. 

“Diógenes disse que o verdadeiro prazer reside em ter a alma num estado calmo e alegre, e que sem isso, as riquezas de um Midas ou Croesus não trarão nenhum benefício…”. 
Diógenes, Ditos e Anecdotes

Para ajudar a cultivar uma mentalidade que permanece tranquila na pobreza e na riqueza, podemos usar Diogenes como um ideal. Pois Diógenes desligou-se totalmente da riqueza e dos bens materiais. Ele passou todo o seu tempo empenhado no domínio da mente e do corpo, e assim não lhe restava tempo para trabalhar e como tal viveu nas ruas. Os seus únicos bens eram um manto e um bastão, e quando conseguia tropeçar num pouco de dinheiro, deixava-o ir se isso perturbava o seu treino ou a sua tranquilidade, ou, já agora, o seu descanso físico. 

“Durante a noite, um ladrão tentou arrancar o seu saco de dinheiro debaixo da cabeça; e ao tomar consciência disto, Diógenes disse: ‘Toma, seu miserável, e deixa-me dormir!” 
Diógenes, Ditos e Anecdotes

Apesar da sua pobreza intencional, Diógenes considerava-se um rei. Ele era o mais rico dos homens porque possuía algo infinitamente mais valioso do que o dinheiro – uma mente que não tem necessidade dele. Nas suas famosas aulas de filosofia realizadas na Roma Antiga, o ex-escravo Epicteto olhou para trás admiravelmente para a vida de Diógenes, e imaginou-o como se estivesse a dizer: 

‘Olha para mim, estou sem casa, sem país, sem posses… durmo no chão. Não tenho mulher nem filhos, nem palácio de governador, mas apenas o chão e o céu e um único manto áspero. E, no entanto, o que é que me falta? Não é o caso de eu estar livre da dor, livre do medo? Não estarei eu livre?…Quem, ao ver-me, não pensa que está a ver o seu rei e mestre?”
Epicteto, Discursos

Da próxima vez que tivermos inveja dos ricos, receosos de perder a sua riqueza, ou ansiosos por mais, podemos recalibrar a nossa tranquilidade, empenhando-nos no exercício da pré-meditação e da prática da pobreza. Podemos aumentar esta formação reflectindo sobre os motivos fúteis que estão por detrás de um desejo excessivo de riqueza, e podemos manter o impressionante ideal de um Diógenes na nossa mente. Diógenes costumava dizer que, tal como o treinador de cantores, quando se tratava da arte de viver, ele punha a nota um pouco alta demais apenas para garantir que o resto de nós acertasse a nota certa. Ao treinarmo-nos para a sagacidade filosófica, portanto, não precisamos de renunciar à riqueza e aos bens materiais e, tal como Diógenes, levá-la para as ruas. Mas precisamos de perceber que a verdadeira grandeza não é medida em termos de riqueza, mas sim em termos do grau em que não precisamos dela para viver bem. 

“…é a mente que torna um homem rico”.  
Séneca, Para Helvia

Ou como Epicteto afirmou: 

“…quando vires outra pessoa a viver em riqueza, olha para o que tens, em vez disso. Pois se não tens nada em vez disso, és mesmo miserável; mas se és capaz de não ter necessidade de riqueza, sabes que tens mais do que ele, e algo de muito maior valor… Achas que estes são assuntos pequenos”?
Epicteto, Discursos

No próximo ensaio vamos explorar como o sábio se relaciona com os julgamentos e opiniões de outras pessoas, de modo a libertar-se da ansiedade social.

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