Durante 60 anos, os condutores de todo o mundo, especialmente os americanos envenenaram-se sem saberem, ao bombearem gasolina com chumbo para os seus tanques. Eis a saga de Clair Patterson, um cientista que ajudou a construir a bomba atómica e descobriu a verdadeira idade da Terra – e a forma como lutou contra uma indústria de mil milhões de dólares para salvar a humanidade de si mesma.

A Idade da Terra sempre foi uma fonte de dúvidas ao longo da história, até ao desenvolvimento da ciência, a visão cristã, de uma Terra com 6 mil anos era predominante. Com o Iluminismo esse número cresceu para a casa dos milhares, milhões e bilhões, quando Clair Patterson voltou à universidade de Chicago depois da guerra, em 1945, a estimativa era de 3.3 bilhões de anos, mas esse número ainda era muito incerto, variando na casa dos bilhões. O seu consultor de pesquisa Harrison Brown tendo conhecimento da experiência de Patterson com espectrometria de massa e datação radiométrica, atribui-lhe a função de medir a idade da Terra.

O método de datação radiométrica, trata da medição de quanto tempo os átomos de elementos instáveis duram, até decaírem e se tornarem elementos estáveis, esse tempo é chamado de ‘’meia-vida’’ o tempo que uma certa quantidade de um elemento radioativo leva para se reduzir a sua metade. Este processo é probabilístico e constante, por isso não precisamos de esperar 1 bilhão de anos, para saber que a meia vida de um elemento é de 1 bilhão de anos.

Clair Cameron Patterson foi um geoquímico norte americano.

Patterson usou o mineral Zircão nas suas amostras, pois ele forma se com uma quantidade mínima de Urânio e este por sua vez decai no chumbo, medindo a quantidade de chumbo e de urânio nas amostras e sabendo a meia-vida dos isótopos de Urânio (703 milhões de anos para o Urânio-235 e 4.51 bilhões para o Urânio-238) pode-se medir a idade da Terra.

Apesar de parecer simples, desengane-se a aceção, os números colhidos das medições de Patterson, nunca correspondiam aos esperados pelo tempo de meia-vida dos elementos. Ele pensou que o laboratório estivesse contaminado por chumbo, ele viu-se forçado a higienizar, mudou as amostras e mesmo assim as medições estavam erradas. O problema só foi resolvido com a construção de um novo laboratório do zero, no instituto de tecnologia da Califórnia, lá usando o mais avançado espectrômetro de massa, ele finalmente obteve uma medida precisa; o mundo tem 4.55 bilhões de anos, uma descoberta extraordinária que levou 11 anos para ser feita, mas nem de longe é a sua mais importante. 

Gráfico do artigo de Patterson onde descobriu a a idade da Terra, a linha do meio equivalente a 4.55 bilhões de anos corresponde aos dados.

Todavia, a questão que incomodava Patterson era: de onde vinha a contaminação das suas amostras? Motivado a pesquisar a sua origem, mediu a taxa de chumbo nos oceanos, na parte rasa e profundas, viajou para Antártida e mediu o chumbo do gelo superficial e de amostras profundas, gelo depositados em diferentes épocas, sempre com o mesmo resultado, havia mais de 100 vezes mais chumbo nas amostras superficiais recentes, que antigas de 300 anos atrás, algo estava a contaminar o mundo todo com chumbo.

No começo dos anos 1920´s procurava-se um combustível mais eficiente, então foi desenvolvido uma gasolina aditivada com chumbo tetraetila, comercialmente vendida pela Ethyl Corporation (que surgiu em parceria da General Motors e a Standard Oil) como gasolina ‘’Ethyl’’ sem a palavra chumbo.

O Chumbo é extremamente tóxico, o corpo confunde-o com o Cálcio e o usa no seu lugar, causando problemas cerebrais, alucinações (muitos morreram e suicidaram-se durante essas alucinações), mutações genéticas resultantes de inúmeros cancros.

Para convencer a população das vantagens dessa gasolina, inicialmente foi utilizada a velha propaganda, mas logo os primeiros casos de trabalhadores doentes e mortes nas fábricas começaram a aparecer. Passava a ser necessário mais que a mera propaganda para convencer. Em 1925, a Ethyl Corporation contratou um cientista para acalmar a população, Robert Kehoe.

Robert Kehoe, cientista pago pela industria de combustíveis para convencer a população da sua segurança

O trabalho de Kehoe era publicar artigos financiados pelos produtores do combustível, atestando a segurança da gasolina com chumbo, na época todos os artigos eram revistos pelos financiadores das pesquisas, no caso a Ethy Corporation.  Virtualmente todos os artigos da área eram de Kehoe, a ciência sobre o tema estava sob controle e ficou assim por quase 40 anos, até Patterson surgir com a sua pesquisa.

Patterson publicou o seu artigo na Nature em 1963, intitulado ‘’Concentrations of Common Lead in Some Atlantic and Mediterranean Waters and Snow’’ onde mostra evidencias que a indústria de combustíveis de gasolina era a responsável pela contaminação global por chumbo, e foi com esta acusação que começaram os problemas para Patterson.

A Universidade de Chicago era financiada pela indústria de combustíveis, inicialmente tentaram mudar o foco da sua pesquisa, porém, com a sua recusa, cortaram-lhe o salário e pediram a sua demissão. Felizmente Patterson recebeu o apoio e financiamento do serviço publico de saúde, da fundação nacional da ciência e outros órgãos governamentais o que permitiu a continuidade das suas pesquisas.

O Artigo de Patterson, deu início a uma disputa nos tribunais e uma série de simpósios onde Kehoe defenderia a indústria de petróleo, os tribunais estavam céticos a respeito do perigo do chumbo, todos os artigos fundamentavam a sua segurança. Patterson precisava de mais evidencias que o chumbo estava a contaminar as pessoas.

Ele sabia que o chumbo se acumulava nos ossos, então bastava comparar a taxa de chumbo em pessoas modernas e esqueletos de milhares de anos, Patterson analisou esqueletos de um peruano de 4500 anos e de uma múmia egípcia de 2200 anos, comparou aos esqueletos modernos e havia 625 vezes mais chumbo nas pessoas modernas, muito acima dos níveis normais. Mais 2 artigos independentes mostraram o que o chumbo atrasava o desenvolvimento mental de crianças. A ciência começava progressivamente a libertar-se das amarras e obstruções industriais.

As disputas judiciais continuaram até 1974, com a vitória de Patterson, a gasolina com chumbo sofreu com regulações parciais. Mas a Indústria continuou a recorrer, Kehoe argumentou que os vulcões eram os responsáveis pelo chumbo e não a gasolina aditivada, Patterson novamente foi a campo, colher amostras de ar num vulcão em plena erupção, os resultados mostraram que eles não eram os culpados.

Finalmente em 1986, a gasolina com chumbo Tetraetila foi proibida nos EUA e em diversos países, os níveis de chumbo logo começaram a cair tanto no ambiente quando nas pessoas, apesar de que eu e o leitor ainda temos muito mais chumbo nos nossos ossos do que as pessoas que viveram em séculos antecedentes, por causa dessa tentativa de controlo da ciência. O caso da gasolina não é único, a indústria tabagista fez o mesmo quando começaram as primeiras evidencia que o tabaco causava cancro e o resultado também foi o mesmo, em poucos anos, a indústria foi desmascarada.

Estima-se que mais de 70 milhões de crianças desenvolveram algum problema de saúde relacionado com a exposição ao chumbo e a cada ano, deste seu uso até sua abolição, em média 5000 mortes estavam diretamente ligadas a essa exposição, esse é só uma pequena parte do custo que foi esta manipulação científica.

Patterson morreu no dia 5 de dezembro de 1995, reconhecido não só como o cientista que mediu a Idade da Terra, mas o cientista que a libertou a ciência impedindo que esta fosse controlada por um grupo cujos objetivos não eram em nada científicos.

 

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