A escola Austríaca de economia deve o seu nome aos seus fundadores e adeptos iniciais que eram predominantemente austríacos, tendo como o seu fundador teórico Carl Menger, professor de economia política na universidade de Viena. Menger ficou conhecido devido à sua contribuição no desenvolvimento da teoria da utilidade marginal, que sucintamente afirma que quanto maior o número de unidades de um bem que um determinado individuo possui, menor será o valor que ele dará por cada unidade adicional. Foi com esta teoria disruptiva no contexto económico que foi possível a respetiva refutação da teoria clássica de valor, comumente associada a Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx onde se pressupunha que a atividade económica era essencialmente coletiva, logo o valor económico de uma mercadoria era determinado pela quantidade de trabalho que, em média, seria necessário para a produzir, incluindo-se aí o trabalho antecedente (para produzir as respetivas matérias primas, máquinas etc). O exemplo clássico ilustrativo desta relação, costuma ser a ideia que um diamante é mais valioso que um copo de água, pois é requerido mais trabalho para encontrar e extrair um diamante do que um copo de água.

Carl Menger

Além de refutar fundamentalmente a teoria de valor, a teoria de unidade marginal revelou como o dinheiro surgiu no livre mercado: como uma commodity mais vendável, que se tornou desejada, não para consumo, mas para ser utilizada como meio de troca por outros bens.

Foi com a sua obra “Princípios de Economia Política” que Menger apresentou objetivamente as suas ideias, constituindo uma nova abordagem referente à análise económica, caracterizando-se pela abordagem dedutiva, apriorística e fundamentalmente humanista.

 O pensamento austríaco principia no conceito filosófico do individualismo, em oposição ao coletivismo (referido anteriormente na precedente intelectualização económica). Esta propriedade intelectual considera o individualismo metodológico como a única fonte válida para a determinação de teorias económicas, pois dada a complexidade e fatores infinitos que influenciam as decisões económicas dos vários indivíduos numa sociedade, a única maneira verdadeiramente válida de justificar essas decisões revela-se com o estudo dos princípios fundamentais que regem e determinam as ações humanas. Esta metodologia conheceu terminologia própria, ficando conhecida como a praxeologia (praxis = ação; logia = ciência) ou seja, a ciência da ação humana.

A praxeologia alicerçou-se axiomaticamente na compreensão que de que um homem age sempre com a intenção de aumentar o seu conforto e diminuir o seu desconforto, respeitando sempre uma certa verticalidade de necessidades quem nem sempre se afiguram racionais. Para os teóricos austríacos, a ciência econômica é concebida como uma teoria da ação mais que da decisão, e esse conceito de ação humana engloba e supera o conceito de decisão individual. Portanto a ideia de perceção subjetiva da informação revela-se um elemento essencial da metodologia austríaca.

Iniciados por Menger, outros nomes, que vieram a ser figuras ilustres no pensamento económico, juntaram-se ao movimento. Contabilizam-se aproximadamente 5 gerações de economistas, os mais importantes e incontornáveis pensadores são Frederich Hayek (Prémio Nobel de Economia em 1974) e Ludwig von Mises, ambos defensores incansáveis do liberalismo clássico, e críticos imperdoáveis daqueles que defendiam a centralização económica.

“O que na verdade constatamos em todas as sociedades livres é que, embora grupos de homens se unam em organizações para a concretização de alguns fins específicos, a coordenação das atividades de todas essas várias organizações, bem como dos diversos indivíduos, é produzida pelas forças que favorecem uma ordem espontânea. A família, a propriedade rural, a fábrica, a pequena e a grande empresa e as diversas associações são organizações que, por sua vez, estão integradas numa ordem espontânea mais abrangente. “ – Frederich Hayek

Hayek acrescentou que a ordem espontânea é o resultado da evolução da ação de diversos atores da sociedade, ocorrendo uma regulação relativamente descentralizada e simultaneamente coordenada. O seu pensamento conhece especial reverberação na sociedade contemporânea, onde a internet acabou por desempenhar esta ordem espontânea descrita por Hayek, pois não se verifica uma intervenção na maneira como dever ocorrer as suas atividades, tornando-se a internet uma ferramenta utilizada consoante a decisão dos indivíduos, desde a interação social ou até mesmo como um meio negocial. Essa conceção de ordem espontânea, acarreta também a ideia de que numa sociedade sem controlo estatal sobre a ação individual, os sucessos e fracassos dos mesmos dependem unicamente dos seus próprios esforços, pois não há um agente designado na regulação e intervenção das escolhas pessoais de cada um.

Frederich Hayek

Mises antagonizou mesmo a ideia intervencionista e regulamentadora do Estado na economia e na vida dos indivíduos, especificando os seus estudos nos problemas inextrincáveis do socialismo, culminando as suas deduções num ensaio publicado em 1921 que posteriormente se adaptou para livro, nomeadamente “Socialismo”. O respetivo livro demonstrou que o socialismo não permite a propriedade privada e a troca de bens de capital, e, por isso, não permite que os recursos sejam empregues em utilização mais valorosas. O socialismo segundo Mises tem como desfecho concludente o caos total e o fim civilizacional.

Na defesa do liberalismo clássico, Mises introduziu uma reflexão sobre a primordial diferença comportamental dos indivíduos em sociedades com uma economia livre e em sociedades com economia centralizada. Segundo o autor, numa economia centralizada a condição de cada um na sociedade é atribuída, independente dos esforços e do resultado gerado do ponto de vista alheio, aqueles que se encontram em posições inferiores aceitam o enquadramento atribuído, pois não se sentem responsáveis por ele. Em direta oposição na economia liberal, os indivíduos podem, mesmo na base mais recôndita, ascender ao topo piramidal, logo o fracasso individual conhece somente um agente de culpa, o próprio individuo.

“O lucro é o prêmio dos que se afastam com sucesso dos tipos normais de procedimento; o prejuízo é a punição dos que, por preguiça, aderem a métodos obsoletos. O indivíduo é livre para mostrar o que pode fazer de modo melhor do que os outros.” – Mises

Ludwig von Mises

Naturalmente que estas disposições se afiguram de certo modo populares no imaginário político liberal e libertário, o entendimento do estado central como opositor do empreendedorismo singular revela-se disseminado nos indivíduos que inelutavelmente se responsabilizam pelos respetivos sucessos e fracassos.

Todavia, muitas críticas foram levantadas a este paradigma que se afirmava científico, sendo imediatamente a primeira advertência a ausência epistemológica do princípio de falsificabilidade e foi num movimento sequente que surgiu a escola neoclássica, disposta a desforrar a disrupção austríaca.

A teoria neoclássica surgiu da transformação gradual do pensamento marginalista com uma nova forma de aplicação da teoria clássica, enfatizando não somente a oferta, mas também a demanda como a determinação dos preços. Os neoclássicos criticaram construtivamente as teorias da escola clássica referentes à teoria de valor, incorporando na sua análise económica a teoria de valor do trabalho, afirmando que o valor da troca dos bens no mercado era dado pelos custos de produção.

Enquanto que os economistas clássicos concentravam as suas atenções na produção, negligenciando alguns aspetos como o estudo da demanda e a sua relação com o sistema produtivo. Os neoclássicos entendiam que os problemas metodológicos não gravitavam somente em torno da teoria de valor, mas também na definição da economia enquanto ciência. Assim, a economia deixa de ser apenas o estudo da produção de riqueza, e passa a ser uma ciência de alocação de recursos escassos a fins alternativos, tendo em consideração as necessidades e os planos de ação dos agentes económicos.

A tradução matemática nesta fenomenologia económica tornou-se crucial na respetiva medição e produção de estudos empíricos. Paul Samuelson considerado um economista-matemático que muito contribuiu para a síntese da teoria neoclássica, reforçou a importância da matemática na Economia, afirmando que matemática foi o instrumento utilizado pela análise econômica para eliminar ou amenizar elementos subjetivos na teoria.

Paul Samuelson

Alfred Marshall, o principal teórico neoclássico, foi quem popularizou o método diagramático na economia, assumindo-se assim, como o grande sintetizador da economia clássica com o pensamento marginalista. Na abordagem de Marshall, as leis econômicas não são leis naturais necessariamente benéficas. Embora seja desejável, não é imperativo que elas sejam trabalhadas sem alguma mão dominadora. As relações entre oferta, demanda e preço tendem a produzir certos resultados quando podem trabalhar sozinhas, mas a sociedade pode influenciar no resultado.

Alfred Marsall

Regressava assim no imaginário coletivo as validades intervencionistas e a pertinência estatal na regulação da vida individual. Se no paradigma austríaco se principiava o raciocínio na teoria da ação humana entendida como processo dinâmico (praxeologia), então no paradigma neoclássico defendia-se a teoria da decisão, nomeadamente a maximização sujeita a restrições. Se para os austríacos se admitia a possibilidade de serem cometidos erros empresarias puros que poderiam ter sido evitados com maior perspicácia empresarial na perceção de oportunidades de lucro então para os neoclássicos não se admitem erros dos quais alguém se possa arrepender, uma vez que todas as decisões passadas se racionalizam em termos de custos e benefícios. Sendo que os lucros empresariais são considerados como a renda de mais um fator de produção. Mais, se para os austríacos se conceptualiza o empreendedor criativo, para os neoclássicos há o Homo oeconomicus.

Porém, talvez o aspeto mais significativo que fez vencer a teoria neoclássica foi precisamente o formalismo de ambas, os austríacos caracterizavam-se com a lógica verbal (abstrata e formal) quer permite a consideração do tempo subjetivo e da criatividade humana, já os neoclássicos exigiam o formalismo matemático (linguagem simbólica própria da análise de fenómenos atemporais e constantes). Se a escola austríaca investia num “capital humano” constituinte de teóricos e filósofos multidisciplinares e liberais radicais, então os vitoriosos neoclássicos afiguravam-se como especialistas em intervencionismo económico, ávidos defensores da engenharia social e com um grau de compromisso com a liberdade muito varável.

É com esta retrospetiva no pensamento evolutivo da economia que atracamos nesta contemporaneidade inundada de especialistas, que com engenho semelhante, desenvolveram neologismos intelectuais e propriedades económicas cujo intuito é corresponder aos alegados desafios hodiernos.

Em 2015 foram definidos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, fixados numa cimeira da ONU, em Nova Iorque. Reunidos os líderes mundiais, deliberou-se a adoção de uma agenda empenhada na suposta erradicação da pobreza e ao desenvolvimento económico, social e ambiental à escala global até 2030, conhecida como agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

A avaliação dos progressos na implementação da Agenda terá de ser realizada regularmente, por cada país, envolvendo os governos, a sociedade civil, as empresas e outros atores do desenvolvimento. 

Esta monitorização/avaliação impõe uma coordenação global de esforços. A nível nacional, cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a coordenação geral dos ODS (objetivos de desenvolvimento sustentável) em articulação com o Ministério do Planeamento e Infraestruturas. Este trabalho é realizado em estreita colaboração com os Ministérios em função das suas atribuições em matéria de ODS. A CIPE (Comissão Interministerial de Política Externa) atua enquanto sede e fórum de coordenação interministerial, quer para a implementação dos ODS quer para a preparação dos relatórios que irão apoiar os processos de monitorização nacional, regional e global. 

E é neste precedente de 2015 aliado à circunstancial excecionalidade pandémica de 2020/2021 que o contexto atual encontra um antagonismo curioso, ou seja, a lógica verbal que se revelou insuficiente para justificar a praticabilidade metodológica da escola austríaca, aparentemente foi criteriosamente analisada sob uma objetividade bastante distinta da que hoje legitima a perceção axiomática na ideia de sustentabilidade, desenvolvimento e mesmo de monitorização.

Hoje ouvimos falar de capitalismo de stakeholders ou capitalismo consciente, uma abordagem manifestamente alicerçada em quatro pilares organizacionais, nomeadamente:

  • Propósito;
  • Integração de stakeholders;
  • Liderança consciente;
  • Cultura consciente;

Assim, revela-se imediatamente necessário uma framework que defina indicadores e métricas para medir os avanços e retrocessos da organização em direção à implantação de práticas de gestão que estejam alinhadas ao propósito maior da empresa, às tais ODSs.

Até aqui tudo bem, a retórica tem um certo apelo estético entusiasmante, afinal quem não quer melhorar o mundo e redimir a espécie rumo à pacífica convivência? A minha única apreensão, talvez devido ao defeito filosófico que me concedeu a dádiva da aporia, seja: quem é que define o caracter consciente e a moralidade intrínseca das instituições que justifica toda essa componente mensurável? Noutras palavras, quando é que a República de Platão se consolidou? Para cancelar a ideia científica dos austríacos fundamentada na consistência lógica apelou-se à falsificabilidade, mas curiosamente para se endeusar as instituições já só importam consensos e sensibilidade comum. Parece haver sempre alibi para esta ideia “consensual” na repressão do individuo.

 

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